No jornal Pioneiro do final de semana passado, 21 de fevereiro, uma matéria no caderno de Empregos, assinada por Déborah Salves da Zero Hora, chamou minha atenção. "Flexibilidade para segurar talentos: Empresas apostam em informalidade e empoderamento para garantir a permanência de profissionais" Ao falar de flexibilidade, talentos, informalidade e empoderamento já prendi o olho no texto. Ele fala especificamente do ambiente profissional, mas como oito de cada dez textos que leio relaciono com escotismo, esse é o motivo de estar falando disso aqui nesse blog.
Logo no primeiro parágrafo, um professor de Administração da PUC explica que o objetivo do jovem atual é trabalhar para viver, o contrário de gerações mais antigas que viviam apenas para trabalhar. Ou seja, eu trabalho para conseguir o que quero na minha vida, mas não faço do meu trabalho a minha vida. E continua falando que "A Geração Y (de 19 a 37 anos) busca ganhos econômicos que possam se reverter em qualidade de vida. Se suas necessidades não estiverem sendo satisfeitas, não hesitam em trocar de emprego", sendo assim, se meu trabalho não satisfaz meu desejo de vida, não há problema em trocar de emprego. Trazendo ao mundo escoteiro, eu participo de um Grupo - seja ele qual for - para viver a vida escoteira, mas a minha vida escoteira não depende exclusivamente do Grupo, se achar que preciso mudar não hesito nessa decisão. Eu mesmo já fiz isso duas vezes. Algo que por muitos dentro do Movimento é criticado, publicamente ou não. Hoje estou sem Grupo, em parte, mas foi uma decisão que ao ler o texto fez todo o sentido ao ver a relação entre o que está escrito e a vida real.
Continuando a matéria é citado o exemplo da Dell, empresa de informática que oferece a opção de trabalho remoto. "o programa permite a contratação de talentos fora da cidade base. Uma vez que o profissional esteja na equipe, há grupos de discussão, que reforçam a estrutura 'pouco hierárquica' e buscam o empoderamento dos funcionários, desde os mais juniores". Essa visão de trabalho por equipes de trabalho, GTs - como gostamos de falar dentro do escotismo - é algo que pode dar certo, como também pode não dar. Nesse exato momento o Grupo da Equipe Regional de Comunicação dos EscoteirosRS está cheio de mensagens e conversas sobre a cobertura do Congresso Regional do próximo final de semana, porém um encontro presencial não foi possível ser realizado, e nem por isso a equipe deixou de trabalhar. Obviamente existe a particularidade de que esse trabalho consegue ser realizado remotamente devido às pessoas que compõe a equipe, a idade, a área profissional, entre outros, ajudam nesse sentido. Porém, o que mais me chamou a atenção nessa parte da matéria foi ao citar que o trabalho por meio de GTs remotos é um meio de reforçar a estrutura da organização, que começa a perder um pouco do sentido de hierarquia e, o principal, empoderando os jovens aos poucos para irem tomando posições de relevância que continuam o trabalho da instituição.
Estamos fazendo isso "normalmente" dentro da estrutura do escotismo? Existe o empoderamento necessário para que seja possível garantir, que uma estrutura menos hierárquica possa seguir fazendo o bom trabalho da instituição? Eu tenho minhas dúvidas quanto a isso.
A Diretora de Recursos Humanos da Dell complementa dizendo que "É algo que percebo que os jovens requerem e já está no nosso DNA (da empresa), assim como a liberdade de vestimenta". A matéria exemplifica com um escritório de advocacia que libera advogados e estagiários de usarem gravatas e paletó, usados apenas em casos de necessidade. Já a Dell tem regras formalizadas, mas o controle é sobre a entrega do trabalho e não a rotina ou método de trabalho.
Ou seja, ambas as empresas trabalham a flexibilidade e informalidade (de vestimenta no caso dos advogados, e modo de trabalho na informática); o empoderamento do jovem (em equipes de trabalho). Quantas vezes essa discussão existiu, e continua existindo, dentro do escotismo. Alguém é mais ou menos escoteiro por usar uma roupa ABC ou XYZ, está certo ou errado desenvolver um projeto específico ou viver a rotina comum de um Grupo Escoteiro.
São assuntos que por muitas vezes evita-se falar, mas existem aos montes no escotismo. Uma coisa que é fato: existe muita gente infeliz dentro dos seus Grupos, ou da Instituição, por motivos diversos. Mas que continuam porque têm no escotismo uma causa maior. Eu sou um desses. Lembra do início do texto, a relação entre viver para trabalhar ou trabalhar para viver. Nesse caso as pessoas estão trabalhando para viver, é o jovem da geração da Y. O que as diferencia é o modo que levam a vida e o valor que dão aos espaços que ocupam. Nesse mesmo final de semana ouvi de pioneiros que estão nos seus Grupos pelas amizades, não necessariamente pelo o que lhe é oferecido dentro do Grupo. Os dirigentes conseguem perceber esses sinais de descontentamento? Antes que seja tarde demais?
"O tripé de autonomia + responsabilidade + cobrança de resultados é o essencial à retenção de jovens talentos", explica um dos entrevistados. A flexiblidade no escotismo, na minha visão, por exemplo, é entender que existem mil coisas nessa fase da vida do jovem e, às vezes, ele terá que afastar-se por momentos do escotismo, mas não quer sair do Grupo ou ser visto diferente por isso, como às vezes acontece. A informalidade aparece em diversos casos, desde um encontro informal que rende mais do que a atividade formal do sábado a tarde, como as já batidas discussões sobre uso da vestimenta escoteira seja ela qual for.
E o empoderamento que é uma das palavras mais importantes e menos discutidas no escotismo. No seu Grupo o jovem REALMENTE é empoderado a dar opinião? Tem a liberdade para tomar decisões que afetem a todos? Lhe são designadas responsabilidades? A cobrança de resultados é feita para que ele aprenda com seus erros e acertos, ou apenas para cumprir com as demandas que surgem como bola de neve dentro de um Grupo? Um professor da UFRGS entrevistado termina dizendo que "As empresas que conseguem ter essa visão mais aberta da gestão de pessoas conseguem ter produtividade melhor e conquistar a fidelidade desses profissionais mais jovens. Mas não podemos esquecer que quem comanda essas companhias são profissionais mais velhos, que custam a entender a importância dessas estratégias". E ai entra a questão principal que me fez questionar esse texto, e hoje em um grupo de whats voltamos ao assunto. Estamos, dentro do Movimento Escoteiro, garantindo lideranças para o futuro do próprio escotismo? Eu já escrevi sobre isso outras vezes, aqui e aqui, mas esse continua sendo um assunto que quanto mais se fala, menos se vê acontecer.
Seja em nível local, regional ou nacional. Não estamos fazendo uma renovação geracional saudável. Nacional até existe, mas dificultada, por exemplo, com taxas de R$250 de participação no Fórum Nacional da Rede de Jovens Líderes. No Regional vejo o trabalho indo pelo caminho ideal. No local, parece utopia pensar em mudanças. E mesmo que elas ocorram, onde estão as pessoas que seguem o curso normal da vida para assumir os espaços de coordenação da instituição? Estão sendo "treinadas" em algum lugar? Não. Ao que parece ninguém preocupa-se com isso, não pensam no futuro. Isso me preocupa, muito.
Muito do que li ali vi, e vejo, acontecer comigo e amigos mais próximos. Uma relação intergeracional que não ocorre, e como os anseios da juventude são de fazer aquilo que lhe faz bem, perdemos muitas oportunidades de crescimento do escotismo e de formação de liderança. A questão não é procurar alguém para culpar de certo ou errado, o jovem ou adulto, não é isso. Mas esse processo de empoderamento deveria ser normal para ambas as partes, e me parece não estar sendo assim, e não é de hoje. Ao final do Congresso do ano passado postei que "Esse ano (2014) foram 12 da Serra, que no ano que vem sejam 24. Esse ano havia aproximadamente 80 participantes no Fórum de Jovens, que no próximo ano esse número chegue ao dobro. Esse ano foram eleitos de 11 delegados do RS para Assembleia Nacional seis jovens, que no próximo ano aumente. Esse ano foram 350 jovens e adultos presentes no Congresso, que cada vez aumente mais. Esse ano somos em 10.679 escoteiros em todo o estado", bom já chegamos nos 11mil.
O que eu espero para o Congresso desse final de semana? Sinceramente, não sei. Depois da pausa que fiz ano passado, estou voltando ainda meio receoso. Nada mudou. Eu posso pegar o mesmo texto de fevereiro de 2014 e usar agora que ele continua atual. Mas os valores de renovação de lideranças, empoderamento e participação juvenil continuam, por isso também me inscrevi como 2º Secretário da Mesa da Assembleia. Acredito que o caminho para o escotismo seja cada vez tornar-se mais horizontal, precisamos maior flexibilidade, transparência e trabalho em equipe, entre jovens e adultos. Espalhamos aos quatro ventos que somos experts em formação de lideranças, trabalho em grupo, formar cidadão para o futuro, mas parece que dentro da estrutura do nosso próprio movimento deixamos alguns desses detalhes passar em branco e continuamos estagnados comemorando aumento de efetivo em 1mil associados.
Já estou no clima de Congresso Regional, que seja tão bom quanto os anteriores, e principalmente por rever amig@s que não vejo há mais de um ano. Até Santa Maria!
Infelizmente não encontrei o texto original online.
Infelizmente não encontrei o texto original online.